sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Fonte das Mulheres


Um pequeno vilarejo mulçumano em algum lugar no Oriente Médio, no norte da África, o local exato não vem ao caso. Uma sociedade cristalizada, os papéis de gênero historicamente demarcado, os homens trabalhavam fora de casa, traziam o sustento para a família, as mulheres cuidavam de tudo o que diziam respeito ao lar, cuidavam dos filhos dentre os mais variados deveres. Mas com o passar dos séculos as coisas mudam. Em pleno século XXI, a vila sofre com a seca, não há mais empregos para os homens, e a população é sustentada pelo turismo e a caridade. Quer dizer, nem tudo muda. Enquanto muitos dos homens passam o dia sentados no bar local, as mulheres continuam seu trabalho árduo com os afazeres domésticos, que incluem ter que buscar água na fonte mais próxima, em um trajeto pesado e perigoso, no qual frequentemente mulheres grávidas perdem seus bebês, algumas vezes carregando sequelas, e são acusadas de “secas” pelas famílias de seus maridos.

               É nesse contexto que se passa a história de “A Fonte das Mulheres”. Uma história ficcional, mas nem por isso se torna menos real. Um filme tocante, belo e reflexivo, não só pela realidade dura que retrata, mas pelos valores que questiona, que vão muito além do cenário inóspito que lhe serve de cenário. Cansada de assistir ao martírio diário das mulheres da vila, do qual também toma parte, Leila, uma jovem forasteira, casada com o professor da cidade, propõe uma coisa que irá mexer com a estrutura daquele lugarejo: que as mulheres se posicionem para pressionar seus maridos a ajudar com a busca da água e a lutarem pela instalação de uma fonte na cidadezinha. Para tal ela propõe que se valham da única forma de poder que exercem sobre eles: deverão fazer uma “greve de amor”, negar sexo aos seus maridos até que tomem uma atitude. Um gesto simples mas extremamente simbólico, que contesta o papel da mulher naquela sociedade e cria uma grande polêmica no seio das relações fortemente machistas que se estabeleciam. Mais do que protestar pela sua fonte, aquelas mulheres protestavam pelo seu direito de falar, reivindicavam o seu papel dentro de casa, na unidade menor da vida social.

               No cenário de extremo conflito que se segue diversos temas são abordados, interagindo entre eles de forma magistral. O poder dos homens sobre as mulheres é o mais evidente deles, atingindo em passagens do filme atos de agressões físicas e sexuais, como em uma cena em que o marido agride e estupra sua esposa, no mesmo quarto em que dormem os filhos do casal, evidenciando o medo que as mulheres da cidade sentem dos maridos. E mesmo assim elas resistem em nome do seu ideal de igualdade. Mas esse poder se manifesta de formas mais sutis ao longo da trama. No início, muitas mulheres temem aderir à greve por causa das possíveis represálias dos maridos e de suas famílias. Em outros momentos, o machismo fica evidente nas ações, inclusive, de algumas mulheres, como a sogra de Leila, que possui o pensamento tão arraigado em si que se recusa a posicionar-se contra a própria opressão, sendo um dos personagens mais machistas do filme, que se posiciona mais duramente contra a luta das mulheres.


               Um dos pontos principais do filme é a denúncia da força cristalizadora que pode haver nas tradições, quando essas se tornam aprisionadoras, e a força da educação na batalha contra elas, e dessa forma, o machismo se perpetua per meio dessa inércia social. Muitos não questionam a forma como vivem, ou argumentam em favor dela dizendo que “sempre foi assim”. E a personagem principal, Leila, é uma das únicas mulheres alfabetizadas na vila, e esse fator é decisivo para sua rebelião. Esse conhecimento permite que amplie seus horizontes, questione. Por essa razão muitos dos homens da vila acusam seu marido de ser o culpado pela greve, visto que ele a ensinou a ler, e se colocam contra a alfabetização das mulheres. Outra coisa que chama a atenção é o cenário da vila, que nos faz ter duvida se o filme realmente se passa nos dias de hoje e não ha muito tempo atrás. E uma das poucas evidências que temos de que aquele lugar se insere, de sua própria maneira, no mundo globalizado dos dias de hoje é um cartaz da Coca-Cola presente na parede do bar em que os homens se reúnem, uma imagem contrastante com o ambiente de extrema pobreza, no qual até a água é um recurso extremamente valioso, em torno do qual gira o enredo.


               Sem duvidas, um filme que vale a pena ver. Ele fala da força revolucionária, que não precisa surgir em grande escala. E normalmente não surge. Pessoas comuns que começam a questionar as relações na sua vida cotidiana conseguem mudar paradigmas, melhorar sua forma de viver. Uma história que trata temas pontuais da cultura mulçumana como o uso do véu e as interpretações do Alcorão a temas universais, como a submissão, o machismo a educação e as desigualdades sociais tão marcantes no mundo de hoje. Vale à pena ver e formar suas próprias opiniões a respeito.

Aqui vai o trailer do filme, e para quem se interessar, links pra download logo abaixo


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